terça-feira, 3 de julho de 2012

DESAPEGO



Desapego.

 texto de Martha Medeiros


No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma 
mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a 
família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endereço do 
bazar e o horário de atendimento.


Uma outra mãe, ao meu lado, comentou: - Que coisa triste ter que vender 
tudo que se tem.


- Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.


Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo 
apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, 
e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, 
aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.


Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o 
bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. 
Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone 
tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava 
se vendendo uma estante. Eu convidava para subir e em dez minutos 
negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de 
vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas.


Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o 
meu lar, que a cada dia ficava mais nu. No penúltimo dia, ficamos só com 
o colchão no chão, a geladeira e a tevê.
No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, 
topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os 
travesseiros.


Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em 
que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material.


Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo.


Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para 
se usar, e não para se amar. Hoje me desfaço com facilidade de objetos, 
enquanto que torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são 
ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na 
minha vida.


Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos 
Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.


Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época 
tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia 
muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da 
manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa. Fomos embora 
carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: 
nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de 
leveza: "só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir," É 
melhor refletir começar a trabalhar o DESAPEGO JÁ!


Não são as coisas que possuímos ou compramos que representam riqueza, 
plenitude e felicidade.


São os momentos especiais que não tem preço, as pessoas que estão 
próximas da gente e que nos amam, a saúde, os amigos que escolhemos, a 
nossa paz de espírito.

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